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Quando tudo se encaixa

Planejamento rigoroso, padronização de procedimentos e algumas novas tecnologias podem garantir uma obra enxuta, rentável e sem desperdício. O canteiro do Caesar Towers Nações Unidas, em São Paulo, prova que repensar a maneira de construir é o caminho mais curto para obter qualidade sem estourar os custos.

"Não é possível falar em projeto executivo ou mesmo em anteprojeto sem conhecer o sistema construtivo da empresa. A obra deve ser o local em que um sistema de execução é colocado em prática e não desenvolvido de forma aleatória." A frase do arquiteto Gianfranco Vannucchi, um dos autores do projeto arquitetônico do flat Caesar Towers Nações Unidas, na zona sul de São Paulo, resume bem o novo estilo de trabalhar de algumas construtoras paulistas. Atuando há cerca de nove anos como incorporadora e sete como construtora, a Inpar está na linha de frente dessas empresas que, cada uma ao seu modo, estão desenvolvendo uma forma particular e racionalizada de construir.

Pode parecer que a empresa tenha que lançar mão de técnicas mirabolantes ou tecnologias de outro planeta para chegar lá. Nada disso. O segredo é integrar a utilização de diferentes técnicas e materiais construtivos, obtendo um conjunto racionalizado. Mas como? O caminho mais curto, mostra a experiência dessas empresas, passa pela formulação e aplicação de um padrão construtivo. A Inpar forma grupos de desenvolvimento tecnológico responsáveis por áreas diversas, como canteiros de obras, estruturas, vedações e acabamentos, impermeabilização, instalações prediais, projetos, segurança do trabalho e informatização.

Esses comitês são formados por engenheiros, arquitetos e profissionais de diferentes níveis hierárquicos da empresa e desenvolvem novas soluções e procedimentos padronizados para a construtora. Duas vezes por ano, é feita uma sessão de homologação das propostas. Trata-se de algo semelhante ao trabalho de normalização realizado pela ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), porém, sem as dificuldades enfrentadas por essa entidade, em especial no que se refere ao setor da construção civil. Homologados, os procedimentos passam a ser obrigatórios nos canteiros da Inpar. "Na obra, quero engenheiro na frente de trabalho e não bolando ou improvisando nada. Ninguém precisa inventar a roda duas vezes", afirma o diretortécnico da Inpar, Luiz Henrique Ceotto.

Padronização de procedimentos

O resultado é visível a olho nu. As obras da Inpar possuem, em linhas gerais, a mesma cara (veja ilustração), com algumas diferenciações próprias de cada empreendimento. Alguns exemplos: todos os canteiros trabalham com grua para transporte de materiais, a menos que isso não seja viável do ponto de vista técnico. Ninguém entra no almoxarifado a não ser o almoxarife ou o ajudante. Nenhum operário pode entrar com um saco de cimento nas costas, visto que o transporte vertical é todo feito pela grua, que descarrega o material dentro do almoxarifado, em um pequeno cercado. Essa área é toda aberta, protegida apenas por um alambrado telescópico, que pode ser reaproveitado em outros canteiros. "Isso obriga o funcionário a manter tudo limpo e organizado. Fica tudo visível", afirma Ceotto. O transporte horizontal é inteiramente paletizado.

Todos os procedimentos de transporte, disposições do canteiro, medidas de segurança são padronizados e constam de cadernos específicos aprovados pelo Comitê de Homologação da Inpar. Até a comunicação visual tem que ser a mesma em todos as obras. "Se eu chegar a algum ponto do canteiro e um cartaz não estiver fixado no local previsto, pode esperar que lá vem bronca", avisa Ceotto. Cronograma em dia, custos dentro do previsto e redução do desperdício são alguns dos benefícios trazidos por esse trabalho.

O flat Caesar Towers Nações Unidas é um bom exemplo de como a racionalização dos procedimentos e o planejamento detalhado da obra podem dar certo. Erguido em um terreno de 1.575 m2 na rua Fernando Moreira, na Chácara Santo Antônio, o edifício de 15 pavimentos, térreo com mezanino e três subsolos começou a ser construído em outubro do ano passado e tem entrega prevista para julho de 1999. O empreendimento, um flat para executivos, terá 146 unidades de 26 m2 e 24 unidades VIP com 39 m2. Além dos benefícios em termos de qualidade e segurança do trabalho (veja box), segundo cálculos da Inpar, os custos da obra são pelo menos 8% menores que num canteiro tradicional.

As diferenças com outras obras começam logo na entrada do canteiro. Dois painéis com reproduções de obras de arte, fruto de um convênio entre a Inpar e o Museu de Arte Contemporânea, estão presos ao tapume de obras e chamam a atenção dos visitantes do canteiro e até dos pedestres e motoristas que transitam por ali. Também desperta a curiosidade o número reduzido de operários no canteiro de obras. Menos de 80 trabalhadores estão erguendo os 11.350 m2 de área construída da torre.

Eliminação das interfaces

O sistema construtivo da Inpar contribui para a redução no número de trabalhadores. Uma das metas da construtora é tentar eliminar o máximo possível de interfaces entre as diversas etapas construtivas. Isso quer dizer que cada etapa é cumprida de uma vez; não são tocadas várias frentes de trabalho ao mesmo tempo. Qual é a vantagem disso? Os custos com encanadores e eletricistas enquanto a equipe está trabalhando na estrutura, por exemplo, deixam de existir. "Em um modelo tradicional, esses profissionais permaneceriam no canteiro durante quase toda a construção. No nosso caso, tal período fica restrito a menos de oito meses", explica Alexandre Moura, gerente coordenador de obras da Inpar.

Para permitir que tudo se encaixe, no entanto, são necessários alguns ajustes. Para "desvincular" as etapas de estrutura e fechamento da execução das instalações hidráulicas, a opção pelo sistema PEX de tubos de polietileno reticulado foi fundamental. Só depois que a estrutura está de pé e as paredes externas de 4 fechamento são executadas é que começa a montagem das instalações hidráulicas. A flexibilidade dos tubos e o número reduzido de conexões facilita o trabalho, que é feito ponto por ponto, ou seja, da prumada até o ponto de saída d'água. Apesar da necessidade de cortar paredes para permitir a passagem das tubulações, segundo a equipe técnica da obra, o resultado final será compensador. Detalhe: atrás do chuveiro de cada unidade será instalado um shaft visitável.

A parte elétrica segue o mesmo conceito. Uma prumada geral de alimentação com barramentos blindados vai distribuir a energia para os pavimentos. Nas unidades, a fiação ficará embutida entre o forro e a laje superior ou nas paredes de gesso acartonado. Nada de quebra-quebra. Outro aspecto interessante em relação à parte elétrica será o processo de medição. A recém-privatizada Eletropaulo Metropolitana, responsável pelo fornecimento de energia na Grande São Paulo, fará a medição de consumo na portaria do prédio por uma central de dados. Um sensor em cada unidade vai informar o consumo de cada apartamento para a central. O sistema de medição remota vai substituir centenas de relógios e permitir à Eletropaulo um trabalho mais rápido e seguro.

A eliminação das interfaces promovida pela Inpar diminui os custos fixos com empreiteiros e facilita a fiscalização. Tal procedimento chega a ser vital para uma construtora que terceiriza quase todos os serviços para empresas subcontratadas. "É preciso mexer no processo construtivo para facilitar o controle", afirma o engenheiro Flávio Rios Vieira Lino, responsável pela obra do Caesar Towers Nações Unidas.

Gerenciamento e controle

O gerenciamento dos subcontratados é prioritário para a Inpar. Cada empreiteiro possui uma ficha de avaliação que começa a ser preenchida logo no primeiro contato. A construtora visita obras de outros clientes, checa se os operários são registrados e avalia a situação geral da empresa. Em seguida, é promovida uma concorrência. Se o empreiteiro vencê-la, é novamente avaliado e começa a passar por auditorias mensais. Cada empresa recebe uma pontua-ção de 0 a 100. A partir do terceiro mês, é estabelecida uma nota de corte de 60 pontos. Se não alcançar esse patamar, o subcontratado é dispensado. De 60 a 80, a empresa passa por ações corretivas. Se receber mais de 80 pontos, significa que a empreiteira está atendendo às expectativas da construtora.

Até mesmo o trabalho de execução da estrutura foi terceirizado no Caesar Towers Nações Unidas. Foram empregadas lajes planas nervuradas com vigas somente no perímetro externo da edificação – as peças estruturais têm 25 MPa até o segundo pavimento e 20 MPa dali para cima. De acordo com o calculista Nelson Kazuo Sato, da SRTC, responsável pelo projeto estrutural, a opção pela laje plana era mais viável do ponto de vista econômico e técnico, devido ao uso de paredes de gesso acartonado. "Além disso, as nervuras permitem economia de concreto e aliviam as cargas nas fundações", afirma Sato. Sapatas diretas executadas entre 0,80 cm e 0,90 cm de profundidade compõem as fundações. "Estamos praticamente na rocha", revelao engenheiro Lino, da Inpar.

A execução da fachada também segue o conceito de eliminação de interfaces. Para não prejudicar o trabalho de impermeabilização da cobertura, visto que a superfície deve estar selada antes da instalação das paredes de gesso acartonado para evitar problemas com a umidade, o sistema de amarração dos balancins foi modificado. O equipamento será fixado na platibanda (último peitoril), projetada previamente para suportar tal solicitação. "Desvinculando a impermeabilização da execução da fachada, tocamos as duas frentes", explica o engenheiro Moura, da Inpar.

Como as paredes de gesso acartonado não podem ser instaladas com os vãos das janelas abertos, a fachada, que mistura pele de vidro com painéis de alumínio da Alucobond, será executada em panos horizontais e não verticais. Serão fechados "anéis" em volta dos andares, eliminando os vãos das janelas e liberando a instalação dos painéis de gesso.

Parte do programa de gestão da qualidade da empresa, esse trabalho da Inpar deve habilitá-la para obter a certificação ISO 9001 no final do ano que vem. De acordo com Ceotto, a maioria dos funcionários nem sabe disso. "Nã o considero a certificação um objetivo, mas fruto de um trabalho", avalia o diretor-técnico. O resultado desse esforço, pelo menos do ponto de vista financeiro, pode não exibir resultados fantásticos por enquanto. Com o aumento da competitividade na construção, porém, tais melhorias em termos de qualidade e produtividade serão fundamentais. Como deixa claro o exemplo da Inpar, cada empresa precisa trilhar um caminho próprio.

Revista Téchne nº37

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