E-Civil: Descomplicando a engenharia
Você está em: E-Civil » Artigos Técnicos

Estruturas Mistas em Concreto e Madeira em Pontes

A exposição direta das estruturas de madeira às intempéries tem colocado diversas pontes de estradas rurais e pequenas pontes para pedestres (pinguelas) em condições patológicas avançadas, comprometendo a segurança dos usuários dessas construções. A utilização de estruturas mistas em concreto-madeira é apresentada como uma solução capaz de prolongar a vida útil das pontes em madeira, proporcionando também uma maior capacidade de carregamento dessas estruturas. Essa aplicação é também sugerida na execução de passagens de vias sobre canais e córregos, substituindo o tradicional sistema de galerias em tubos de concreto.

Introdução

As estruturas mistas podem ser constituídas, de um modo geral, de concreto-madeira, concreto-aço ou aço-madeira. Um sistema de ligação entre os dois materiais deve ser utilizado para assegurar a transferência de esforços de cisalhamento horizontal, e também evitar o desprendimento vertical dos dois materiais. Esse sistema pode ser do tipo rígido ou semi-rígido (flexível).

No caso da ligação rígida, a qual pode ser obtida, por exemplo, pela aplicação de um adesivo epóxi na superfície de contato entre os dois materiais, os pequenos deslocamentos entre as peças são impedidos. Já o outro sistema pode ser obtido por conectores metálicos, como pregos e parafusos. O uso dos conectores metálicos representa grande facilidade de execução da ligação dos dois materiais e é mais econômico que o emprego de um adesivo epóxi.

O elemento de concreto que compõe a seção mista assegura a proteção da madeira contra a ação direta da umidade e a abrasão. A importância do sistema de ligação consiste no aumento da rigidez da seção, implicando num menor deslocamento vertical e maior capacidade de carregamento da estrutura, em relação à estrutura somente de madeira.

A indicação da madeira para se compor uma seção mista deve-se ao fato desse material ser um recurso natural e renovável, possibilitando assim a aplicação de espécies de reflorestamento, tais como o eucalipto e o pinus. A madeira pode ser utilizada com seções brutas (toras), serradas e também seções de laminados colados. Outra vantagem consiste no fato da madeira ser um material de fácil trabalhabilidade. As estruturas mistas em concreto-madeira são indicadas para diversas aplicações constituindo sistemas de forro, paredes e pisos para diversas modalidades de construção, tais como residências, comércios e indústrias. Recentemente, na Itália, esse tipo de estrutura tem sido empregada para restaurações de piso e forros de construções antigas. Atualmente, elementos pré-moldados em concreto-madeira são produzidos em escala industrial por diversos países, como Suécia, Noruega e Finlândia.

A importância das aplicações de estruturas mistas em pontes

As pontes em madeira representam uma solução menos onerosa que as pontes em concreto. No entanto, a durabilidade da madeira nas construções quando aplicada sem um tratamento prévio e estando exposta aos fatores ambientais (umidade, oxigênio e temperatura) permitem o ataque biológico, e conseqüente redução da vida útil da estrutura. A utilização de uma laje de concreto sobre as peças de madeira da superestrutura pode prolongar em até três vezes a vida útil daquelas pontes. Todavia, é sempre recomendável o tratamento preservante da madeira contra ataques de insetos e microorganismos, principalmente das madeiras de reflorestamento como o eucalipto e o pinus. As estruturas mistas em concreto-madeira representam uma solução viável na execução de pontes de pequenos vãos tanto nas vias rurais quanto nas vias urbanas, o que as torna um sistema construtivo de uso comum nos EUA, Canadá, Suíça e Austrália.

Principais problemas detectados em pontes de madeira

Como resultado de uma inspeção realizada em algumas pontes de madeira de pequeno porte na área rural e pinguelas urbanas, foram levantados problemas que comprometem a utilização dessas estruturas. Tais problemas estão basicamente relacionados à biodeterioração da madeira, caracterizada pelo apodrecimento dos elementos estruturais. Tanto nas pontes quanto nas pinguelas aqui abordadas, geralmente, foram utilizadas como longarinas, em suas superestruturas, seções de madeira bruta (toras) não tratada. Os tabuleiros foram executados com peças de madeira serradas (pranchas), dispostas na direção perpendicular às longarinas, ou ainda na direção paralela às longarinas quando apoiadas sobre transversinas.

Pequenas pontes para pedestres (pinguelas)

As peças de madeira do guarda-corpo dessas estruturas, em grau de suscetibilidade, geralmente são as primeiras a apresentar problemas de apodrecimento em razão das pequenas dimensões de suas seções transversais, e também devido à exposição direta das ligações com a superestrutura, fatores ambientais que propiciam o ataque por fungos.

Nos pilares de madeira não tratada e engastados diretamente no solo, mais especificamente na região de interface de contato com o ar, verifica-se uma drástica redução de suas seções transversais devido ao apodrecimento da madeira.

As pranchas que constituem o piso dessas pinguelas, devido à abrasão e ao intemperismo, também alcançam num curto tempo de uso um estado precário de conservação. A existência de frestas no tabuleiro permite a livre passagem de água de chuva, que alcança tanto as transversinas quanto as longarinas, ficando parte dela retida nas regiões de contato das peças, favorecendo assim a proliferação de fungos de podridão.

Pontes de madeira em estradas rurais

Neste tipo de construção, o tabuleiro geralmente é executado sem um sistema capaz de proteger a madeira das ações de intempéries e/ou mecânicas. Sobre as pranchas do tabuleiro, em geral é utilizada apenas uma camada de solo, a qual visa a sua proteção contra o desgaste e também para reduzir os efeitos do impacto vertical sobre a ponte.

A camada de solo permite a percolação de água que alcança o tabuleiro e também as demais peças da superestrutura da ponte. A umidade retida no solo e na madeira é o principal fator do processo de apodrecimento das pranchas do tabuleiro e das longarinas, e também acarreta a oxidação dos elementos metálicos utilizados nas ligações das peças de madeira.

Problemas nas galerias de córregos e canais

Nos córregos e canais, tanto nas áreas urbanas quanto nas rurais, são muito utilizadas as galerias com tubos de concreto, as quais representam uma solução simples e econômica em relação às pontes em concreto armado. Porém, esse tipo de construção é capaz de acarretar grandes problemas, principalmente nos períodos de chuva intensa.

A deposição de lixo e vegetações na entrada da galeria podem acarretar a obstrução total das seções dos tubos de concreto, ocasionando assim inundações das áreas a montante desse tipo de construção.

O expressivo acúmulo de água pode gerar um processo de erosão do paramento tanto do canal quanto da galeria, bem como o deslizamento da vegetação de proteção do talude. A saturação do aterro da estrada pode, além de desestabilizar sua base sobre o canal, também danificar o pavimento da via, ou ainda a destruição e o arrastamento do conjunto de obra: aterro, arrimo, tubos de concreto e pavimento.

Uma breve abordagem sobre o dimensionamento

Até o presente não existe no Brasil uma norma específica para o dimensionamento das estruturas mistas em concreto-madeira. Dessa maneira, o projetista deve nortear-se mediante indicações de normas internacionais para cada um dos materiais que constituem a seção do elemento estrutural.

A homogeneização da seção transversal é usual através do método da seção transformada. Nesse procedimento, determina-se a razão modular (nc), a qual representa uma relação entre o módulo de deformação longitudinal do concreto (Ec) e o módulo de elasticidade da madeira (Ew).

nc = Ec/Ew

Na verificação dos estados limites de utilização e último da estrutura (tensões normais e tangenciais, deslocamentos verticais e ligação), quando utilizado um sistema de ligação flexível, deve-se considerar o efeito de redução da rigidez da seção. O parâmetro que quantifica quão flexível é o sistema de conexão, denominado de módulo de deslizamento, deve ser obtido por ensaios de corpos-de-prova.

Através das indicações da norma alemã DIN (Deutsche Institute für Normung) 1052/73 e homogeneizando a seção transversal constituída por concreto (Ac) e madeira (Aw), a inércia efetiva é determinada por:

Ief = Iw + ncIc + 1/(1 + k).(ncAcac2 + Awaw2)

O coeficiente k da expressão anterior é função das propriedades geométricas e elásticas dos materiais, comprimento do elemento estrutural (l) e do espaçamento dos conectores (s):

k = (p2s/l2K).(EcAcEwAw/EcAc + EwAw)

As distâncias ac e aw representadas na fig. 2 são obtidas, respectivamente, por:

ac = y - (hc/2)
aw = hc + (hw/2) - y

As tensões normais de flexão para o concreto na borda superior e no baricentro da laje, considerando-se o momento de inércia efetivo e a razão modular, são obtidas conforme as expressões:

sw2 = (M/Ief).[(aw/1 + k) + (hw/2)]
swm = (M/Ief).(aw/1 + k)

No caso da madeira, as tensões normais na fibra mais tracionada e no baricentro da alma são calculadas, respectivamente, por:

sc1 = nc (M/Ief).[(ac/1 + k) + (hc/2)]
scm = nc (M/Ief).(ac/1 + k)

O número de conectores (N) a ser empregado na estrutura é determinado pela razão entre o fluxo e o cisalhamento horizontal (f) e a força admissível pelo conector (F):

N > Ø/F

O fluxo de cisalhamento é proporcional ao momento estático da seção em concreto (Sc) e à força cortante (V):

Ø = (V *Sc)/[Ief (1 +k)]

Na verificação dos deslocamentos verticais utiliza-se das expressões da resistência dos materiais, empregando para tanto o momento de inércia efetivo (Ief). Ao projetista cabe cuidar de detalhes que irão assegurar à estrutura uma vida útil prolongada. É de fundamental importância impedir a presença de água tanto na madeira quanto no sistema de ligação, o que pode ser evitado através de pingadeiras e dispositivos de proteção. Com relação ao concreto, é inadmissível a presença de fissuras ou fendas, o que comprometeria o comportamento da estrutura mista.

A estrutura mista como solução para os casos apresentados

Conhecidos os reais problemas relacionados à exposição da madeira às intempéries, busca-se então, indicar a aplicação de estruturas mistas na execução de pontes, passarelas e pinguelas, bem como nas restaurações daquelas construções em madeira parcialmente deterioradas que ainda se encontram em condições de utilização. Neste contexto, diversas pontes em madeira foram reformadas na Austrália, por exemplo, as quais, após receberem uma laje de concreto sobre seus tabuleiros, possuem uma maior capacidade de carregamento e é assegurada uma maior vida útil a essas estruturas.

A utilização de uma laje de concreto como tabuleiro de pontes e pinguelas representa uma solução para proteção contra a biodeterioração da madeira. Se, por um lado, o emprego da laje em concreto representa um aumento do peso próprio da estrutura da ponte existente, por outro lado, ao utilizar-se de um sistema de conexão entre a madeira e o concreto, obtém-se uma superestrutura com seções mais rígidas de maior capacidade de carga.

Em pinguelas, torna-se possível a eliminação de pilares, necessitando-se então de apenas encontros que são executados fora da calha do canal.

Para as estradas, sobre canais, o emprego de estruturas mistas em concreto-madeira representa uma forma de simples execução, e sem dúvida mais econômica que as pequenas pontes em concreto armado. Em relação ao sistema de galerias convencionalmente executado com tubos de concreto, pode-se destacar a vantagem da seção transversal do canal permanecer totalmente livre para o escoamento d'água, evitando-se assim os riscos expostos anteriormente.

Enfim, tendo em vista o grande número de pontes de madeira, principalmente nas áreas rurais, e passarelas nas áreas urbanas, e conhecido o estado de degradação do material quando exposto diretamente às intempéries, abre-se, deste modo, um grande potencial para a aplicação de estruturas mistas em concreto-madeira.

MSc. Julio Soriano (Fac. de Eng. Agrícola - UNICAMP)
Profº. Drº. Nilson Tadeu Mascia (Fac. de Eng. Civil - UNICAMP
Publicação da revista Téchne - setembro/outubro-1999

Comentários

Nenhum comentário sobre esta página. Seja o primeiro a comentar!

Deixe o seu comentário!


(não será publicado)



Pesquisar
Últimas do Fórum
Biblioteca CAD E-Civil 7000